terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A gente se acostuma



(...) A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
(...) A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
(...) A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti



4 comentários:

  1. Lindo texto e não podemos nos acostumar com o que nos fere ou faz mal! bjs praianos,chica

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  2. Oi Fe, desde o ano passado estou firme na decisão de ir na contramão dessa tendência.
    Lindo texto.
    Bjs

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  3. Que texto verdadeiro, minha querida! não conhecia e era o que precisava ler, para dar uma "bagunçada" nos costumes enraizados....amei! beijos e boa semana!

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  4. .


    O seu blog é bonito, colorido
    e aparentemente verdadeiro.
    Vou segui-lo para não perder
    o caminho de volta.

    Beijos.





    .

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